quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Branquinho, machista, abaixo dos 60 anos

O caso é o seguinte: nós, branquinhos, abaixo dos 60 anos, sem nenhuma deficiência aparente e que gostamos de xoxota, estamos sendo encurralados pelo estado policial em que vivemos. Tramita no Congresso uma PEC para incluir na lei de discriminação de raça ou cor (Lei 7716/89) uma alteração para incluir homossexuais, deficientes físicos e idosos. Para a mulher já existe uma lei específica que é a Maria da Penha. Nessa mesma lei que trata do preconceito e discriminação de raça ou cor, também consta etnia, religião e procedência nacional.

O que sobrou tirando as mulheres da Maria da Penha, os negros, mulatos, idosos, índios, crentes, deficientes, homossexuais e meia dúzia de índios que vivem ao redor do Pico do Jaraguá? Nós, os homens brancos, menores de 60 anos, adoradores de buceta e aparentemente perfeitos. Se você se encaixa nessa classe e é fumante, ta é mais fodido ainda. Em qualquer lugar em que se acenda um cigarro, tem alguém que olha com aquela cara de nojo “ih, é drogado, vem cá filhinha, não fica perto não”.

Ainda vai chegar o dia que os bancos dos ônibus serão reservados para todos, menos nós, que teremos que ficar em pé próximo ao motor sendo vigiado de perto por um bedel do Estado, “esse é perigoso, veja como ele é branco”, “provavelmente é de extrema direita e vota no DEM”, “dem?”, “é, o partido dos demos”. Bom, para esclarecer, eu não voto nos Democratas e odeio ideologias.

Todos, menos nós, os racistas, machistas, ateus, jovens e perfeitos, serão protegidos por lei, como animais em extinção dessa fauna escrota chamada humanidade. Pagamos o preço por aqueles que batem em suas esposas, xingam um idoso de “velhote”, um preto de neguinho, um nordestino de paraíba. A verdade é a seguinte, nós pagamos o preço pelo individualismo cada vez maior do qual somos culpados. As pessoas se fecham no seu mundo, buscam suas conquistas e àqueles que lhe atravessam o caminho são alvos de todo tipo de violência. Uma delas, claro, é a de tentar denegrir a imagem e com isso as pessoas se tornam intolerantes, daí o preconceito. Xinga-se no trânsito “preto do caralho, me fechou”, xinga-se num trem lotado “baiano filho da puta, dá espaço pra velha”, xinga-se na balada “sai fora viadinho. Curto mulher”.

Dia desses vi um exemplo dos mais absurdos. Estava no ônibus, linha Morro Doce-Praça Ramos, indo para minha casa às dez da noite. Para quem não conhece, o Morro Doce é um bairro lá nas proximidades do primeiro pedágio da Rodovia Anhanguera, um local afastado, que começou como loteamento clandestino e depois virou bairro. As pessoas que lá vivem são na maioria nordestinos ou filhos de nordestinos migrados há algum tempo. Sem rodeios, sem rodeios. Então é uma linha de ônibus em que a maioria das pessoas são nordestinas. Eu estava encostado na porta, com visão privilegiada para os passageiros. Na minha frente um casal gay formado por dois garotos na faixa dos 20 anos. Quando o ônibus chegou próximo ao Mercado da Lapa, um rapaz foi pedindo licença e passou empurrando algumas pessoas. O ônibus estava cheio. Empurrou um dos viadinhos (foi mal), o qual olhou torto para o rapaz e disse “tinha que ser essa racinha mesmo” e voltou a sua normalidade. Fiquei abismado. Pensei “porra, esses viados (foi mal) sofrem preconceito, sabem bem o que é isso, e têm preconceito contra outras pessoas”.

De quem é a culpa? Dos lambedores de xoxota, jovens, que mexem pernas e braços e que mandam uma banana para Deus, ou da falta de instrução que começa em casa, através dos pais ou de nossa mãe adotiva chamada televisão? Eu sou branco, tenho 34 anos, fisicamente perfeito, sem religião e fumante. Tenho medo! Muito medo do que pode me acontecer se olhar torto para um velho, preto, viado, sem uma perna e pregador da palavra de Cristo, “matem o racista nojento”. E se um dia for apedrejado e linchado ninguém vai ligar. Como aquele garoto que levou um tiro na testa ao vivo, à cores para 150 milhões de idiotas. O governo matou e fomos complacentes, aplaudimos “bem feito pra esse ladrãozinho de merda”. Não teve segunda chance. Pra quê? Era um fodido mesmo.

Se você se encaixa nesse perfil branquinho, jovem e hétero, fica esperto. Os moralistas estão na espreita, com seus fuzis bíblicos prontos para te meter um tiro na testa. Cuidado comigo, sou um extremista pronto para aniquilar as raças inferiores.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

150 quilos e um câncer

Acordei a primeira vez as 8h30 de um sono profundo. A Marina, sempre me acorda com o som das portas do guarda-roupa. Mas eu gosto. Finjo que ainda estou dormindo para observa-la se trocando. Fico ali admirando seu corpo e agradecendo pela sorte que o magnífico destino colocou em mim. “Luiz, you are the dude”, disse o destino certa vez em inglês num sonho legendado com letras amarelas. Odeio legendas em branco, dificultam a leitura e me lembram que preciso melhorar meu inglês. A Marina segue o mesmo ritual todas as vezes que durmo no seu apartamento, depois de se trocar ela se joga em cima de mim para dar beijinhos de bom-dia e dizer o quanto eu fico lindo dormindo. “Parece um bebezinho”, ela diz.

Estava quente, úmido e abafado quando escutei as primeiras marteladas, que foram aumentando a intensidade conforme meu cérebro assimilava. Ela já tinha saído e eu tentei cochilar mais um pouco. As pancadas que vinham do apartamento ao lado eram a perfeita nona sinfonia da construção civil. Distingui dois martelos leves e um pesado. Os leves batiam em algo metálico e o pesado quebrava paredes, produzindo um som tipo pim-pim-pow, que às vezes mudava para pim-pow-pim dependendo do ritmo da mão do pedreiro.

Não teve jeito, levantei e fui dar aquela mijada matinal, parecendo ter sido acometido por uma labirintite. Apertei o botão da descarga e quando o soltei ele voou no meu peito. O dia estava ótimo. O pino travou e a água não parava de fluir. Bateu o desespero do tipo “agora fodeu tudo e vou passar o dia olhando a água escorrer para dentro da privada”. A labirintite parou. Fechei o registro, mas ele não funcionava apenas para um encanamento. Qual? O da descarga, lógico. Enquanto pensava numa solução ouvia o som do desperdício e a voz do ecologista “pense num futuro sem água, você está contribuindo para nossa desgraça”.

Lembrei dos martelos, dos pedreiros e pensei “ferramentas”. Coloquei a calça, uma camisa sem abotoar e fui ao apartamento ao lado pedir um grifo. Abri a porta e o cara que me atendeu já imaginava. “Escutamos o barulho”, disse o pedreiro n° 1. “Preciso de um grifo”, eu disse. O n°2 pegou a ferramenta e emprestou facilmente vendo minha cara de desespero. Solucionei o problema, devolvi o grifo e voltei para tomar um banho relaxador. Já tinha passado alguns minutos e chegaria tarde no escritório. Me arrumei as pressas e coloquei meus óculos escuros recém adquiridos numa feira em Limeira. É uma imitação do Ray-ban aviador, com lentes esverdeadas e proteção de 300 UVs. Mas não arrisco olhar diretamente para o sol, nem em caso de eclipse total. Coloquei os óculos, olhei no espelho e falei “hoje você tá pronto para desfilar em Milão”. Mas dependendo da roupa e da auto-estima esse pensamento pode mudar para “Porra, man, você podia ter um Santana branco com placa vermelha, um massageador de bolinhas no banco e a estátua da Virgem Maria pendurada no retrovisor”.

Narrei todo o caso para a Marina via celular e fui trabalhar. Ônibus até a Avenida Paulista, Metrô, baldeação na estação Ana Rosa, desço na estação São Judas e caminho. Gosto de caminhar. Observo pessoas, situações, dou risada dos meus próprios pensamentos e todos que me olham acham que sou louco. Observei, a uns 40 metros a minha frente, uma mulher vestida toda de azul claro, calça de academia, dessas que modelam o corpo, regata e boné. Ela caminhava na mesma direção que eu. Passou um motoboy e buzinou, fez um sinal, falou alguma coisa do tipo “ô lá em casa” e foi embora. A mulher irradiava a alegria que só os que ganham na loteria sabem o significado.

Fui chegando mais perto da mulher, e no viaduto que passa por cima da Avenida dos Bandeirantes eu estava a uns 20 metros da smurfete feliz. Dessa distância já dava para ver que ela não era jovem, apesar da cintura fina e das ancas largas, traços brasileiros muito valorizados nos melhores puteiros europeus, percebi que seu corpo já demonstrava sinais de idade avançada. E realmente era uma idosa bem cuidada e que chamava atenção. Um senhor que passava pelo viaduto em sentido contrário ao nosso olhou para ela e disse o quanto ela estava bem. Ela parou, sorriu e disse “E não era para estar? Para quem já teve 150 quilos e enfrentou um câncer?”. Que se foda um problema na descarga da privada! Meu dia está ótimo.