quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Em meu peito descansa uma faca

Ela começou com uma conversa chata

Sua língua sem papas
Daquela discussão
Uma ata
1 – Por que você comeu a Renata?
2 – Odeio quando você bebe leite com nata
3 – Você sempre me acha inapta
Bem, a Renata é uma gata
Estava pelada
Me mostrou a xavasca
Meu pau levantou como uma naja

Você é um babaca
Você é uma chata
Vaca

Que merda
Ela tinha uma faca
Que agora, em meu peito, descansa intacta

Estou deitado numa maca
Por que fui comer a Renata?
Não devia ter sido um babaca
Quando a vaca tinha uma faca

Olho para um lado e vejo uma garotinha
Ela anda como uma pata
Qué qué qué
Bebe refrigerante na lata
Nem pensa se ali tem mijo de rata
Abre seu chocolate ao leite Lacta
E anda como uma pata

A garotinha queria ser borboleta
Enrolou-se num cobertor
Dele fez casúlo
Um dia e uma noite e nada de
Asas
Apenas uma febre
E uma tez opaca

Uma freira me olha
Não preciso de bata
Nem de beata
Só quero que você não me olhe
Como se eu fosse uma barata
Por causa da Renata, da nata e de uma mulher inapta
Agora em meu peito
Descansa uma faca

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Escárnio




















Republico aqui, com autorização do Marcelo Mirisola, sua crônica sobre o esquecimento. Não aquela forma inofensiva de descuido, mas sobre a negligência da memória. Esta seria sua crõnica semanal no Congresso em Foco que, por seus motivos, talvez aquele de que veículos de comunicação não criticam outros veículos, achou melhor não publicar. Originalmente, o texto foi publicado no blog De Costas pro Mar, do Nilo Oliveira.

Escárnio

Aos fatos. A Folha de São Paulo cometeu uma grosseria contra a biografia de Alberto Guzik (ilustrada 21/8). Gustavo Fioratti foi o responsável por reverberar o jornalismo crasso e deletério de Mônica Bérgamo. Para quem não lembra, a coluna dessa senhora cobriu a estréia de minha peça e não me citou. Na oportunidade, reclamei para o Ombudsman, mandei carta para o Painel do Leitor, e não adiantou nada. Ficou por isso mesmo. O jornal simplesmente resolveu apagar o Monólogo da Velha Apresentadora, texto de minha autoria, da biografia de Alberto Guzik.

Como sou ingênuo voltei a reclamar. Não por mim, que estou acostumado a engolir esse tipo de veneno, mas pela memória de Alberto Guzik. Via Ombudsman, recebi a resposta de Sylvia Colombo, editora da Ilustrada.

Nada mais nada menos que uma confissão de arrogância e uma declaração de escárnio, aspas: “O dramaturgo Alberto Guzik deixou obra vasta e variada. Não foi possível incluir todos os trabalhos na arte raixo x – publicado junto à matéria.”

Notem que não foi o repórter Gustavo Fioratti quem respondeu, mas Mônica Bérgamo, editora da Ilustrada. Isso revela uma opção deliberada do jornal por aquilo que a Igreja Romana da idade média chamava de índex, censura mesmo. Mal comparando, já que estamos falando de métodos medievais de exclusão, seria como não incluir o papado na vida do cardeal Ratzinger. Dessa vez, porém, até a Ombudsman me deu razão (por email porque não se manifestou publicamente) e disse que era injustificável excluir o Monólogo da Velha Apresentadora da biografia de Guzik. Evoluímos?

Se a Folha de São Paulo optou pelo índex, claro que não. O fato é que ignorar essa peça é subestimar todo o percurso de Guzik como homem de teatro. Será que é tão difícil de entender? Uma trajetória que culminou nesse espetáculo, que o realizou como ator e fechou o ciclo de sua vida. Há testemunhas. Muitas.

Até quando a Folha de São Paulo, levada pelo senso medieval de retaliação de seus editores, vai cometer a grosseria de omitir o Monólogo da Velha da biografia de Guzik? O que eu poderia fazer para provar a existência da Velha Apresentadora para aqueles que acreditam no jornalismo praticado pela Folha de São Paulo?

Em primeiro lugar, creio que é conveniente publicar o texto aqui no blogue do Nilo. Depois, sugiro o blogue do próprio Guzik.

O material é farto. A partir da estréia da peça, no dia 11 de fevereiro e ao longo de 2009, Alberto Guzik documentou quase que diariamente sua experiência na pele da Velha Apresentadora. São toneladas de informações, verdadeiras aulas de dramaturgia em torno do assunto, comentários e participação dos amigos e espectadores de sua vida e obra. Alguns, nem tão próximos, se manifestaram e foram solidários comigo. Outros silenciam e fazem coro a omissão da Folha, como se aniquilassem parte da memória que Guzik confiou a eles. Eu sinceramente não queria estar no couro nem na alma dessas pessoas.

Nessa mensagem, postada em 14 de fevereiro de 2009, Guzik comenta a grosseria de Mônica Bergamo (que, repito, não foi corrigida e que – parece – fez escola na Folha):

o aborrecimento de mirisola

o grande mirisola escreveu pra se queixar: nas legendas das fotos na coluna da monica bérgamo, na sexta, que tanto me agradaram, em nenhum momento apareceu registrado que o "monólogo da velha apresentadora" é uma obra (genial, por sinal) de marcelo mirisola. ele disse que ficou parecendo que era texto de um fantasma, de um ectoplasma. total razão tem ele. foi uma deselegância dessa coluna em geral tão elegante, precisa e correta. não sei a que atribuir. mas mirisola se sentiu bem aborrecido. e está coberto de razão. sem sua obra nenhuma daquelas pessoas das fotos estaria lá. éissaí.

E põe deselegância nisso, Guzik. Reclamei e não adiantou nada. Depois que você morreu, o jornal voltou a ignorar não somente a mim, mas nossa Velha também, e o que era deselegância virou escárnio e desrespeito com sua memória. Como eu disse, são toneladas de informações.

Enfim. Se vocês acreditam que a história de um homem como Alberto Guzik é maior que a conveniência de uma meia dúzia de canalhas tacanhos que têm compromissos apenas com as próprias mesquinharias, então – repito – vale a pena dar uma conferida no blogue dele: http://os.dias.e.as.horas.zip.net/

Não obstante e apesar de todas as omissões e grosserias, tenho uma boa noticia. Em 2011, a Velha Apresentadora voltará aos palcos. Dessa vez, encarnada no incomparável Marcio Américo, ator e também autor de um livro que é uma obra-prima, Meninos de Kichute.

Na seqüência, para quem não acredita nos fatos e acha que o jornalismo da Folha é imparcial, faço questão de publicar o Monólogo da Velha Apresentadora, ainda sem a inclusão do personagem vivido por Chico Ribas, “o ponto”.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Sobre Frank Sinatra

Hoje, por mais que o dia esteja aberto, com sol, os passarinhos cantam como um Sinatra no auge, não consigo ver beleza em nada. Hoje o dia tá triste por mais que chova bolinho de arroz da Dona Elisa e me telefonem dizendo que ganhei um milhão de dólares. Hoje podia ser qualquer dia, menos hoje.

O dia depois de ontem

Hoje o dia está frio, nublado, cinza, poderia ser triste, os pássaros se escondem das lufadas geladas e escondem em seus pequenos peitos a vitrola onde antes Sinatra evocava um Dó Maior, mas hoje, apesar de Sinatra estar morto e as lufadas de vento atingirem meu rosto, congelarem o silêncio dos mortos, eu ouço e vejo a felicidade em cada poeira, em cada canto e nas folhas secas do inverno.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

La Niña

É uma garotinha mimada


Quente, quente, quente

Tão quente que aquece o que

Poderia ser pacífico

E

Quando chora

Transborda marginais

Derrete o barro que desce o morro e

Some com casas e

Vidas

Quando chora

Faz incas tremerem

Machu pichuva chuva má

La Niña

Sua malvada birrenta

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Branquinho, machista, abaixo dos 60 anos

O caso é o seguinte: nós, branquinhos, abaixo dos 60 anos, sem nenhuma deficiência aparente e que gostamos de xoxota, estamos sendo encurralados pelo estado policial em que vivemos. Tramita no Congresso uma PEC para incluir na lei de discriminação de raça ou cor (Lei 7716/89) uma alteração para incluir homossexuais, deficientes físicos e idosos. Para a mulher já existe uma lei específica que é a Maria da Penha. Nessa mesma lei que trata do preconceito e discriminação de raça ou cor, também consta etnia, religião e procedência nacional.

O que sobrou tirando as mulheres da Maria da Penha, os negros, mulatos, idosos, índios, crentes, deficientes, homossexuais e meia dúzia de índios que vivem ao redor do Pico do Jaraguá? Nós, os homens brancos, menores de 60 anos, adoradores de buceta e aparentemente perfeitos. Se você se encaixa nessa classe e é fumante, ta é mais fodido ainda. Em qualquer lugar em que se acenda um cigarro, tem alguém que olha com aquela cara de nojo “ih, é drogado, vem cá filhinha, não fica perto não”.

Ainda vai chegar o dia que os bancos dos ônibus serão reservados para todos, menos nós, que teremos que ficar em pé próximo ao motor sendo vigiado de perto por um bedel do Estado, “esse é perigoso, veja como ele é branco”, “provavelmente é de extrema direita e vota no DEM”, “dem?”, “é, o partido dos demos”. Bom, para esclarecer, eu não voto nos Democratas e odeio ideologias.

Todos, menos nós, os racistas, machistas, ateus, jovens e perfeitos, serão protegidos por lei, como animais em extinção dessa fauna escrota chamada humanidade. Pagamos o preço por aqueles que batem em suas esposas, xingam um idoso de “velhote”, um preto de neguinho, um nordestino de paraíba. A verdade é a seguinte, nós pagamos o preço pelo individualismo cada vez maior do qual somos culpados. As pessoas se fecham no seu mundo, buscam suas conquistas e àqueles que lhe atravessam o caminho são alvos de todo tipo de violência. Uma delas, claro, é a de tentar denegrir a imagem e com isso as pessoas se tornam intolerantes, daí o preconceito. Xinga-se no trânsito “preto do caralho, me fechou”, xinga-se num trem lotado “baiano filho da puta, dá espaço pra velha”, xinga-se na balada “sai fora viadinho. Curto mulher”.

Dia desses vi um exemplo dos mais absurdos. Estava no ônibus, linha Morro Doce-Praça Ramos, indo para minha casa às dez da noite. Para quem não conhece, o Morro Doce é um bairro lá nas proximidades do primeiro pedágio da Rodovia Anhanguera, um local afastado, que começou como loteamento clandestino e depois virou bairro. As pessoas que lá vivem são na maioria nordestinos ou filhos de nordestinos migrados há algum tempo. Sem rodeios, sem rodeios. Então é uma linha de ônibus em que a maioria das pessoas são nordestinas. Eu estava encostado na porta, com visão privilegiada para os passageiros. Na minha frente um casal gay formado por dois garotos na faixa dos 20 anos. Quando o ônibus chegou próximo ao Mercado da Lapa, um rapaz foi pedindo licença e passou empurrando algumas pessoas. O ônibus estava cheio. Empurrou um dos viadinhos (foi mal), o qual olhou torto para o rapaz e disse “tinha que ser essa racinha mesmo” e voltou a sua normalidade. Fiquei abismado. Pensei “porra, esses viados (foi mal) sofrem preconceito, sabem bem o que é isso, e têm preconceito contra outras pessoas”.

De quem é a culpa? Dos lambedores de xoxota, jovens, que mexem pernas e braços e que mandam uma banana para Deus, ou da falta de instrução que começa em casa, através dos pais ou de nossa mãe adotiva chamada televisão? Eu sou branco, tenho 34 anos, fisicamente perfeito, sem religião e fumante. Tenho medo! Muito medo do que pode me acontecer se olhar torto para um velho, preto, viado, sem uma perna e pregador da palavra de Cristo, “matem o racista nojento”. E se um dia for apedrejado e linchado ninguém vai ligar. Como aquele garoto que levou um tiro na testa ao vivo, à cores para 150 milhões de idiotas. O governo matou e fomos complacentes, aplaudimos “bem feito pra esse ladrãozinho de merda”. Não teve segunda chance. Pra quê? Era um fodido mesmo.

Se você se encaixa nesse perfil branquinho, jovem e hétero, fica esperto. Os moralistas estão na espreita, com seus fuzis bíblicos prontos para te meter um tiro na testa. Cuidado comigo, sou um extremista pronto para aniquilar as raças inferiores.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

150 quilos e um câncer

Acordei a primeira vez as 8h30 de um sono profundo. A Marina, sempre me acorda com o som das portas do guarda-roupa. Mas eu gosto. Finjo que ainda estou dormindo para observa-la se trocando. Fico ali admirando seu corpo e agradecendo pela sorte que o magnífico destino colocou em mim. “Luiz, you are the dude”, disse o destino certa vez em inglês num sonho legendado com letras amarelas. Odeio legendas em branco, dificultam a leitura e me lembram que preciso melhorar meu inglês. A Marina segue o mesmo ritual todas as vezes que durmo no seu apartamento, depois de se trocar ela se joga em cima de mim para dar beijinhos de bom-dia e dizer o quanto eu fico lindo dormindo. “Parece um bebezinho”, ela diz.

Estava quente, úmido e abafado quando escutei as primeiras marteladas, que foram aumentando a intensidade conforme meu cérebro assimilava. Ela já tinha saído e eu tentei cochilar mais um pouco. As pancadas que vinham do apartamento ao lado eram a perfeita nona sinfonia da construção civil. Distingui dois martelos leves e um pesado. Os leves batiam em algo metálico e o pesado quebrava paredes, produzindo um som tipo pim-pim-pow, que às vezes mudava para pim-pow-pim dependendo do ritmo da mão do pedreiro.

Não teve jeito, levantei e fui dar aquela mijada matinal, parecendo ter sido acometido por uma labirintite. Apertei o botão da descarga e quando o soltei ele voou no meu peito. O dia estava ótimo. O pino travou e a água não parava de fluir. Bateu o desespero do tipo “agora fodeu tudo e vou passar o dia olhando a água escorrer para dentro da privada”. A labirintite parou. Fechei o registro, mas ele não funcionava apenas para um encanamento. Qual? O da descarga, lógico. Enquanto pensava numa solução ouvia o som do desperdício e a voz do ecologista “pense num futuro sem água, você está contribuindo para nossa desgraça”.

Lembrei dos martelos, dos pedreiros e pensei “ferramentas”. Coloquei a calça, uma camisa sem abotoar e fui ao apartamento ao lado pedir um grifo. Abri a porta e o cara que me atendeu já imaginava. “Escutamos o barulho”, disse o pedreiro n° 1. “Preciso de um grifo”, eu disse. O n°2 pegou a ferramenta e emprestou facilmente vendo minha cara de desespero. Solucionei o problema, devolvi o grifo e voltei para tomar um banho relaxador. Já tinha passado alguns minutos e chegaria tarde no escritório. Me arrumei as pressas e coloquei meus óculos escuros recém adquiridos numa feira em Limeira. É uma imitação do Ray-ban aviador, com lentes esverdeadas e proteção de 300 UVs. Mas não arrisco olhar diretamente para o sol, nem em caso de eclipse total. Coloquei os óculos, olhei no espelho e falei “hoje você tá pronto para desfilar em Milão”. Mas dependendo da roupa e da auto-estima esse pensamento pode mudar para “Porra, man, você podia ter um Santana branco com placa vermelha, um massageador de bolinhas no banco e a estátua da Virgem Maria pendurada no retrovisor”.

Narrei todo o caso para a Marina via celular e fui trabalhar. Ônibus até a Avenida Paulista, Metrô, baldeação na estação Ana Rosa, desço na estação São Judas e caminho. Gosto de caminhar. Observo pessoas, situações, dou risada dos meus próprios pensamentos e todos que me olham acham que sou louco. Observei, a uns 40 metros a minha frente, uma mulher vestida toda de azul claro, calça de academia, dessas que modelam o corpo, regata e boné. Ela caminhava na mesma direção que eu. Passou um motoboy e buzinou, fez um sinal, falou alguma coisa do tipo “ô lá em casa” e foi embora. A mulher irradiava a alegria que só os que ganham na loteria sabem o significado.

Fui chegando mais perto da mulher, e no viaduto que passa por cima da Avenida dos Bandeirantes eu estava a uns 20 metros da smurfete feliz. Dessa distância já dava para ver que ela não era jovem, apesar da cintura fina e das ancas largas, traços brasileiros muito valorizados nos melhores puteiros europeus, percebi que seu corpo já demonstrava sinais de idade avançada. E realmente era uma idosa bem cuidada e que chamava atenção. Um senhor que passava pelo viaduto em sentido contrário ao nosso olhou para ela e disse o quanto ela estava bem. Ela parou, sorriu e disse “E não era para estar? Para quem já teve 150 quilos e enfrentou um câncer?”. Que se foda um problema na descarga da privada! Meu dia está ótimo.